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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Cuidado para sua Ds à distância não se converter numa Ds virtual

 


Vi uma pergunta sobre Ds a distância.

Bom..  já vivi Ds à distância por quilometragem e já vivi Ds à distância por rotina e falta de disponibilidade do Top em encontrar pessoalmente mesmo morando próximo. Fiz muitas tarefas sozinha no silêncio da minha casa para entregar por vídeo e por foto. 

Tem um ditado antigo que diz "cabeça vazia, oficina do diabo". Manter a mente do submisso em estado de atenção é importante para que ele saiba que é necessário, que o Top sente prazer nas pequenas tarefas. 

Mas é preciso muito critério para que as necessidades do submisso estejam sendo supridos. 

Embora tenha sim pessoas que se satisfaçam somente com a virtualidade (sem entrar no mérito se é BDSM ou não), essa não é a realidade da maioria dos bottoms. A grande maioria quer e precisa sentir o olhar, o toque, o cheiro, a presença física do(a) seu(sua) Senhor(a). 

É preciso equilibrar as coisas e não usar da virtualidade para encobrir uma falha de condução. Não tem tempo ou condições para conduzir uma relação presencial? DEIXE MUITO CLARO que a relação será a maior parte pela virtualidade. 

• Não fique prometendo que vai encontrar o bottom mas esse dia nunca chega. 

• Não faça promessas vãs.

• Não dê tarefas com horário determinado e apenas veja dois dias depois.

• Não fique dias sem falar com o seu submisso resumindo a conversa ao bom dia/boa noite.

• Não resuma a submissão do bottom a uma live de punhetagem mútua.

São pequenas coisinhas que vão gerando frustração. 

Eu poderia fazer uma lista enorme de coisas que não deveriam acontecer numa Ds à distância mas acontecem.

Hoje, pessoalmente, prefiro ser playpartner com amigos a viver uma relação onde nunca (ou raramente) veja o Top, só pra dizer que tenho uma coleira.

Sinceramente, não consigo entender o que passa pela cabeça de um ser humano que vê o meu álbum de fotos no Verdugo ou no Fetlife, recheado com práticas que eu fiz, e me pergunta se eu aceito ser escrava virtual dele. 

Apenas repito: não tem tempo ou condições para conduzir uma relação onde estará presente pelo menos a cada 15 dias? Seja honesto. 

Não faça com que submissos que QUEIRAM PRATICAR percam o seu tempo.

Cace quem se contente com o pouco que vc tem pra oferecer.

E, principalmente, não chegue em praticantes BDSM presenciais e ofereça a sua virtualidade. 

A GENTE NÃO QUER. 


Meus respeitos.

Simplesmente Lilica 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

É possível aprender sobre BDSM sozinho na internet?


Babosa espiral - Aloe Polyphylla
Jardineiro.net
Imagem meramente ilustrativa


Conhecer sobre BDSM, sua história (origem e evolução), as bases, formato de relações, informações sobre as principais práticas, limites, liturgia, hierarquia e verticalidade, a psicologia por trás da submissão e dominação, redflags, negociações e mais tantos outros tópicos é algo que uma pessoa pode fazer sozinha tranquilamente, ou sob a orientação de alguma pessoa mais experiente na comunidade. 

Obviamente, só se desenvolve a servidão ao servir, da mesma forma que só se desenvolve a dominação ao dominar. Mas base teórica é razoavelmente fácil de se conseguir por qualquer pessoa que saiba usar a internet para além das redes sociais. 

A internet é um imenso oceano de informações. Livros em pdf, sites, blogs, grupos, tudo está disponível gratuitamente e, com um pouco de boa vontade e um pequeno grau de conhecimento sobre os mecanismos de buscas, você consegue ter acesso a tudo o que precisar. 

Buscar livros e sites confiáveis é muito importante, principalmente, para separar o joio do trigo nas conversas virtuais pelas redes sociais. 

Eu sei que num mundo onde as pessoas se limitam a 140 caracteres no Twitter (agora são 280 né), encontrar pessoas que apreciem a leitura de um livro ou um bom texto é um esforço hercúleo. 

Hoje em dia as pessoas querem as coisas todas já mastigadas. O resumo do resumo do resumo. Eu me lembro que, quando estudava, eu pesquisava termos em inglês e traduzia com ajuda do Altavista (alguém lembra dele?)... e as traduções não chegavam nem perto da qualidade de tradução que o Google oferece hoje. A impressão que tenho é que, quando a informação ficou mais fácil, ela perdeu o valor. 

Mas é isso. 

O conhecimento é maior arma de uma pessoa. Você apenas saberá se alguém está plantando um pé de babosa no seu jardim, se souber diferenciar as baboseiras das demais plantas lá existentes. 

Meus respeitos
Lilica de Mestre Gregório.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Por que 50 Tons de Cinza incomoda tanto?



Li todos os livros da trilogia 50 Tons (incluindo o escrito pelo ponto de vista do Grey). Assisti ao primeiro e ao segundo filme; não me interessei pelo último. O livro, aos olhos de um apreciador da boa leitura, é mal escrito e com um narrativa preguiçosa, previsível e com uma conclusão óbvia, ilustrando a clássica estória da Gata Borralheira, introduzindo nela uma pitada de fetiche. Lembrando que se trata de uma fanfic da série Crepúsculo, ou seja, não tinha como sair coisa muito boa. O filme, bem, é uma adaptação de um livro ruim, então não se podia esperar nada melhor (e a escolha daquele elenco insosso e sem sintonia também não ajudou em nada). O grande erro da comunidade BDSM é vê-lo como se fosse um documentário. Esquecem que se trata de uma atração holywoodiana e cumpre muito bem a sua função social: entreter o público baunilha e molhar calcinhas. 

Do ponto de vista do BDSM o filme não tem falhas. Mostra todo o contexto por trás do fetiche: há a negociação, a exposição dos limites (adoro quando ela fala que não aceita fisting e ele diz que talvez ela fosse gostar kkkkk,... menina boba), o contrato, o controle (tem muito Dominador tão controlador quanto o Grey), a masmorra, os acessórios, as práticas, a instigação dos sentidos, o sexo. Aos olhos de um praticante experiente que tenha lido o livro (porque no filme isso foi pouco trabalhado), enxerga-se até mesmo a figura do switcher, afinal o Grey foi submisso de Elena, que o introduziu ao BDSM para controlar seus impulsos violentos e problemas psicológicos (nada diferente do que vemos com muita gente que aparece por esse meio). Tem até mesmo a figura da ex-escrava psicótica (quem nunca teve o azar de conhecer uma Leila? kkkkkkkkkkkk). 

Pois bem, 50 Tons de Cinza introduziu com êxito para o grande público, de forma lúdica e sem desejo de chocar ninguém, todos os elementos do BDSM moderno ao recontar essa versão erótica da relação da Cinderela e do Príncipe Encantado. E, em consequência do grande sucesso, uma enorme parcela da sociedade baunilha tomou conhecimento da existência do BDSM e, pasmem, se interessou por ela. 

Claro que toda grande exposição tem seu bônus e seu ônus. 

O sadomasoquismo sempre foi visto como algo doentio e sujo, e era vivenciado apenas no submundo. Quem já leu um pouco sobre a história do BDSM no Brasil (muitos por aqui vivenciaram realmente esses fatos), já ouviu falar sobre prisões, batidas policiais nas festas em razão de denúncias, acusações infundadas (ou algumas nem tanto mas não vem ao caso rsrs) de pedofilia e escravidão forçada. O BDSM era, e (não se enganem) ainda é, alvo de julgamento social. O sadomasoquismo é classificado como doença no CID 10, ainda vigente (F65.5 lembra?). O próximo CID exclui o sadomasoquismo erótico, mantendo apenas o sadismo coercivo na lista de transtornos, resultado direto das lutas por aceitação pelas comunidades sadomasoquistas do exterior (principalmente da comunidade Leather). Mas essa mudança vai demorar muito para surtir efeito real. Acreditem, ainda seremos vistos como doentes por anos a fio pela comunidade médica e, consequentemente, pela sociedade. 

No meu ponto de vista, o filme 50 Tons de Cinza teve, a longo prazo, o mesmo efeito prático para a comunidade sadomasoquista (respeitadas, obviamente, as devidas proporções) do que os causados quando do lançamento da sigla SSC, na Marcha de Washington em 1987: mostrou para a sociedade baunilha que nós não somos pessoas insanas; somos apenas pessoas normais vivenciando os seus fetiches de forma segura e consensual. E esta visão é tão verdadeira que, quando Anastácia Stelle fala para o Grey que não deseja mais vivenciar aquilo, ele queima o contrato e ambos param de praticar o BDSM e passam apenas a ter uma relação baunilha, mantendo um pouco do erotismo da dominação somente como fetiche durante o sexo. 

50 Tons de Cinza conseguiu fazer com que uma grande parcela da sociedade visse o BDSM como uma imagem menos negra e ilustrando-a com mais tons de cinza (perdoem-me pelo trocadilho kkkk). Ele suavizou a visão crítica da sociedade sobre o tema. 

No meu aniversário de 40 anos, ganhei de presente da minha irmã de coleira um bolo totalmente decorado com elementos sadomasoquistas, até mesmo os cupcakes. Foi uma festa muito divertida e eu levei os cupcakes que sobraram para o trabalho. dei para o pessoal dizendo que meu aniversário foi com a decoração de 50 Tons de Cinza. Todos riram, acharam engraçado... mas não foi um choque. Ninguém me olhou como se eu fosse um demônio. Hoje eu uso coleiras na rua tranquilamente como um acessório (sem a guia, afinal não tenho o intuito de chocar ninguém). Hoje nós vemos elementos sadomasoquistas em comerciais de TV, na novela, em filmes. Ainda há julgamentos? Claro que há. Mas quem realmente pratica o BDSM sentiu sim essa diferença. Podem fazer cara feia... podem resmungar o quanto quiserem. Mas, sim, 50 Tons de Cinza tornou a nossa vida em sociedade mais leve. 

Muitos praticantes descobriram o sadomasoquismo através do filme. Conheço submissas e escravas excelentes que “são frutos do 50 Tons”, como dizem maldosamente. Veio gente boa, comprometida, com vontade de aprender e praticar de fato. Elas vieram com a mente aberta, estudaram, conheceram pessoas, praticaram, e estão por aí, felizes e vivenciando o melhor (e o pior) que o BDSM tem pra oferecer, afinal, nem tudo são flores. 

Mas, como eu disse, toda grande exposição tem também o seu ônus. Sempre que se abre um portão largo para a multidão, fica difícil de se controlar quem entra. Então era de se esperar que, no meio da grande massa, se encontrassem vários curiosos, moralistas, afoitos. Infelizmente, que também se infiltrassem abusadores, estelionatários e aproveitadores de todo tipo, afinal, gente de má índole temos na sociedade aos montes; então é algo proporcional. 

Essas pessoas se proliferam nas redes sociais. Entram no ônibus no meio da viagem e querem sentar na janela. Querem trazer as regras do mundo baunilha para o mundo BDSM e empurrar goela abaixo de quem já está aqui praticando faz tempo, que o que vivemos está errado, que tudo é abuso, que submisso tem o mesmo poder que Top. Querem impor as suas vontades e regras se sobrepondo ao que já existe, tumultuam e fazem uma grande confusão. Se confundem e tentam nos confundir. 

Particularmente, eu não me estresso mais com esse pessoal. Imagina um jogador de futebol de várzea que passou a jogar na primeira divisão. Ele não concorda com as regras de arbitragem, nem com as regras do jogo. Começa a fazer um tumulto no time. Ele pode até causar... mas uma hora vai começar, por força, a seguir as regras senão vai ficar sem time para jogar. No BDSM não dá pra tirar o jogador do campo mas, certamente, se ele começar a causar demais, a probabilidade dele jogar num time sério vai ser pequena. Praticantes sérios apenas riem de pessoas assim. 

Mas esses são fáceis de identificar... a maioria não sai das redes sociais, vangloriam relações virtuais. São agressivos quando tem suas opiniões confrontadas. Não tem base, não tem argumentos válidos que defendam suas teorias. E, no final, não passam disso mesmo: de teóricos; porque a vivência é quase zero. Apenas reproduzem o que lêem na internet com a sua visão distorcida. 

Contudo, mesmo com toda essa balbúrdia causada na internet, ainda penso que 50 Tons de Cinza teve efeitos muito mais positivos que negativos para a comunidade BDSM como um todo. Se a pessoa pratica sadomasoquismo de forma real, não se preocupa com os virtuais. Nos eventos, em suas casas, ainda reina a cordialidade, as regras e o BDSM continua mais vivo do que nunca. 

Ficou um pouco mais difícil de se encontrar alguém com quem praticar? Sim... ficou um pouco... mas meu primeiro Dono, lá em 2009 já me dizia uma frase que nunca esqueci: “Quem é de verdade, sabe reconhecer quem é de mentira”. Praticantes reais vão sempre se cruzar e vão continuar praticando BDSM. Os demais, podem continuar tentando mudar regras pela internet. 

OK... o Grey se apaixonou, largou o BDSM para viver com a Anastácia e a mulherada acha que vai conseguir dar o golpe do baú também... Ah... conheço casos semelhantes e o Top nem rico era... kkkkk... Se a Anastácia tivesse gostado da coisa, ele teria continuado sendo dominador e ambos continuariam se amando do mesmo jeito. Foi apenas a solução dada pela autora. O BDSM nunca foi o foco da estória e, sim, a relação amorosa entre Annastacia e Christian. O BDSM só estava ali para apimentar as cenas mesmo.

No mais, ainda queria ver essa estória contada pelo ponto de vista da Leila. Ela realmente era praticante, era escrava e se relacionava diretamente com o Grey-Dominador, que era seu Mestre, e não com o Grey-bau. Ela fala pra Anastacia "O Mestre, o Sr. Grey, ele permite que você o chame pelo seu nome"... Em outro momento ainda diz "Eu nunca dormi na cama do Mestre". Eu compreendo Leila... compreendo seu sofrimento... sua paixão... sua submissão... Mas essa versão certamente não venderia milhões de livros. A servidão real não é bonita e seria chocante demais para o grande publico.


Meus respeitos
Lilica de Mestre Gregório



sexta-feira, 17 de julho de 2020

Músicos aprendizes

(publicado na página no Facebook em 15/01/2020)



O BDSM é uma sinfonia com muitos acordes e melodias tocando ao mesmo tempo. E nós somos músicos aprendizes.

Quando chegamos às vezes buscamos uma melodia; demora pra vermos que a música toca de outra maneira.

Temos voracidade em tocar a música mas ainda sequer sabemos tocar o instrumento e isso nos faz cometer erros graves de execução.

Por não sabermos identificar as melodias, as vezes pensamos que um dos músicos está tocando certo e "colamos" nele. Com o tempo a gente descobre que ele também está fora dos acordes mas, até isso acontecer, tocamos uma boa parte da música de forma errada.

E somos castigados por isso.

Alguns nunca descobrirão a música toda... alguns preferirão tocar apenas a melodia principal, mais fácil.

Mas, se queremos conhecer a peça toda, teremos que estudar muito cada nuance dela.

Muitas e muitas vezes.

E é assim.

Vamos errar muitas vezes e vamos voltar a tocar a cada vez pois apenas com a prática nos tornaremos bons músicos.

E a música vai continuar a tocar.

Meus respeitos.
Lilica de Mestre Gregório.

domingo, 12 de julho de 2020

Negociação, Consideração e a publicidade das relações na comunidade BDSM.



Dia desses, em um dos grupos que estou, uma submissa perguntou se, estando em negociação, já poderia chamar aquele Top de Dono perante a comunidade BDSM (principalmente na forma virtual nas redes sociais e grupos em comum).

Primeiramente, é bom esclarecer que tudo o que falo se trata de uma opinião pessoal. Não é uma determinação de regras, nem um manual litúrgico; é apenas a visão que tenho sobre o tema. Aviso dado, vamos ao post.

Já falei em um outro post neste blog que sou avessa à publicidade do início de uma conversação ou negociação pois estas fases são muito frágeis e passageiras. Normalmente, um praticante (seja Top ou bottom) inicia muitas conversações durante sua caminhada pelo BDSM. Destas, algumas se convertem em relações mas, a grande maioria, não passa da negociação. 
Inúmeras são as razões pelas quais uma negociação não dá continuidade, mas a principal é: uma parte não atende as necessidades ou expectativas da outra parte. É o famoso ditado "quando um não quer, dois não brigam". Mestre Gregório me disse logo nos primeiros dias em que estávamos conversando: "para esta relação dar certo, você tem que querer que ela dê certo".

Dada a efemeridade dessa fase, eu não vejo sentido em divulgar à comunidade com quantas pessoas eu comecei a conversar ou negociar. O que importa à comunidade quantas vezes eu tentei dar início a uma relação que não teve êxito?

Mas, Lilica, eu vejo nos grupos as pessoas anunciando negociações, postando fotos das sessões, o bottom chamando o Top de Dono, agradecendo imensamente a oportunidade de servi-lo. Passada duas semanas, acabou a negociação. Passa mais uma semana, o mesmo bottom anuncia o início de outra negociação e tá lá publicamente chamando outro Top de Dono da minha vida e, depois de uma semana, termina.
Eu confesso que, atualmente, quando cumprimento alguém, nem mando mais saudações para o Dono ou a posse porque eu nunca sei se a pessoa ainda tá com o fulano. As publicações de início e fim são tão rápidas que, se eu fico duas semanas sem acessar um grupo ou rede social, toda a situação já mudou rsrs.

Eu mesma já tive muitas conversações e muitas negociações infrutíferas, mas penso que chamar alguém de Dono é algo tão profundo, tão forte, que dar esse título a todo Dominador com quem apenas iniciei uma negociação me parece menosprezar a minha entrega.

Neste sentido, penso assim: quando um bottom chama o Top de Dono e esse Top começa a tratá-la realmente como posse, qual a lógica de se falar que ainda estão negociando? 
Pergunto isso porque, no meu ponto de vista, a negociação termina quando se tem a primeira sessão. 

Vejo a Negociação como o momento de colocar as cartas na mesa. Quando um Top e um bottom decidem fazer uma sessão, é sinal de que já se conheceram pessoalmente, que conversaram o tempo que acharam necessário onde foram expostos os limites, as preferências de ambos; já se sabe, mais ou menos, se ambos buscam os mesmos objetivos e a primeira sessão é o fechamento desse pré-acordo. 

A primeira sessão é o momento em que Top e bottom vão colocar em prática o que conversaram, vão perceber se há sinergia entre ambos, vão descobrir se realmente um atende à expectativa do outro. Na primeira sessão acontece uma avaliação mútua e ambos vão decidir interiormente se vale a pena ou não investir naquela relação. 

Tiveram a sessão e viram que querem dar prosseguimento na relação? Neste momento Top e bottom entram em avaliação/consideração. 

Quando em consideração, eles fazem sessões regularmente, se encontram, há tarefas... o Top vai apresentando na prática o que realmente espera do bottom; vai adestrando a seu gosto, aumentando a intensidade, a dificuldade, descobrindo a resposta do bottom aos comandos e os efeitos que todas essas coisas causam nele.
De igual forma, o bottom vai descobrindo as rotinas do Top, o que o agrada e o que o desagrada; analisando as próprias reações ao que está vivendo e, por fim, vai se "encaixando" nos parâmetros do Top, a que muitos chamam de "moldar".
É um momento de ajustes, adaptações, onde a relação vai tomando forma dentro dos moldes acordados na negociação.

Sei que muitos praticantes compreendem como negociação todo o tempo que ficaram juntos fazendo sessões até o encoleiramento. Por isso se ouve falar em negociações que duram meses ou até mesmo anos com ambos se tratando como Dono e posse. Esse período pelo qual passaram é justamente a Consideração ou Avaliação. Já comentei sobre isso em um outro post: a pessoa nomeando ou não as fases do relacionamento, elas estão todas lá... Se quer chamar toda a fase - da conversação até a consideração - apenas de negociação, está tudo bem. Na verdade, isso não tem nenhuma implicação prática na relação em si. 

No entanto, na minha opinião, perde-se muito do significado litúrgico e ritualístico da relação, pois o encoleiramento é a conclusão desse processo: é quando o Top decide que o bottom está realmente preparado para portar o nome dele; e isso tem um simbolismo muito forte. 
Mas sempre lembrando que "querer ou não" dar um caráter litúrgico à relação vai do interesse do Top. 

Explicada a minha compreensão sobre o que significa estar "em negociação", então voltamos à questão inicial do tópico com uma leve alteração: uma submissa que ainda não foi encoleirada pode chamar o Top de Dono?

Eu aprecio muito o seguinte pensamento: para um bottom se tornar posse, ele precisa já se portar como posse.

Você não deixa de ter obrigações com o Top ao estar em avaliação ou consideração... apenas ainda não ganhou o "direito" de carregar o nome do Dono definitivamente na sua coleira, assinatura social, ou qualquer símbolo que represente simbolicamente aquela Casa.

Se tornar posse não é uma chave liga/desliga; ela é uma construção interna que ocorre justamente na fase de avaliação/consideração. É, antes de tudo, uma mudança no estado psicológico, não apenas no status social. Antes de "estar" você precisa "ser".
E essa fase pode demorar meses... O tempo que o Top achar necessário para que você, bottom, esteja pronta para representar o nome dele. 

É isso que torna o Ritual do Encoleiramento tão especial: você andou numa estrada árdua, cheia de pedras e espinhos, para finalmente ter a honra de portar o nome dele; é o reconhecimento da sua dedicação, da sua entrega. É o compromisso integral que ambos assumem um com o outro: servo e Mestre.

Neste raciocínio, se o bottom já tem que se comportar como posse até poder se tornar posse definitivamente, por que razão ele não chamaria o Top de Dono? 

Apenas se for uma determinação expressa do Top para que o bottom não faça isso. Mas acho pouco provável que um Top exija tal coisa afinal, na fase de consideração, ele também já se porta como Dono e assim quer ser reconhecido publicamente (Exceto, é claro, aqueles que querem ocultar a existência de uma submissa em sua casa, sabe-se lá por qual razão... mas isto é assunto para outro post).

E quando que se considera o início real de uma D/s? 

Como me disse o Mestre Gregório uma vez: "desde o primeiro contato virtual pois eu já sabia que você seria minha" 🥰. 


Meus respeitos.
Lilica de Mestre Gregório

domingo, 10 de maio de 2020

O Dominador pode me dar ordens ou punições durante a negociação?

Cena do filme A Secretária

Vamos imaginar a seguinte situação: você começa a conversar com um Dominador e, após algumas conversas, o interesse se torna mais palpável e vocês começam a negociar uma possível D/s. Papo vai, papo vem e, do nada, ele te dá uma tarefa. E agora?

Afinal, o Dominador pode dar ordens ou punições para uma submissa ainda na fase de negociação?

Vou responder a esta questão com um exemplo que gosto muito.

Na cidade goreana de Alkania, as kajirae (escravas goreanas) são classificadas por Silks, com cores diferentes, de acordo com sua proximidade, relação e treinamento. A kajira com grau mais alto é a Black Silk. Pois bem: para que uma kajira mude de silk, há funções e objetivos as quais ela precisa alcançar. 
Lá tem um ditado que diz mais ou menos assim: "Se comporte como a Silk em que você quer estar, e não como a que você está". Ou seja, para subir para uma silk superior você tem que agir como se já fosse uma.

Trouxe isso como aprendizado para o BDSM: se você está em negociação para uma possível D/s é porque tem interesse em se tornar posse. 

Então, se você quer se tornar uma posse, bom... tem que começar a agir como uma rs. 

As relações não tem uma chave liga/desliga; elas fluem. Começar a obedecer àquele a quem se deseja servir no futuro é algo natural, que brota do submisso. 

Óbvio que um submisso não vai sair obedecendo qualquer um que chegue no seu pv dando ordem. Mas, se a conversa desenvolveu o suficiente para ter um interesse mútuo, o certo é realmente agir de acordo com esse interesse, não?

Desenvolvido o real interesse, pra mim é simples: quer ser posse? Haja como posse.

Portanto, respondendo à pergunta: sim... ele pode dar tarefas. Se vai obedecer ou não, depende da vontade do submisso.

Desde quando comecei a conversar com Mestre Gregório, Ele gostava de me passar pequenas tarefas. 
Eu achava aquilo estranho... "nem meu Dono era e já queria me dar ordens"? Eu O indagava sobre qual o sentido daquelas tarefas; a resposta era "você pode se recusar a fazer, mas me deixará muito feliz se as fizer".

E assim foi... as negociações cessaram... já se passaram mais de dois anos e aqui nós estamos... ainda tenho tarefas mas, agora, eu sou a escrava e Ele é o Mestre; agora eu não posso mais me recusar a fazer... rs.

Entretanto, punições, a meu ver não cabem durante a negociação.

A punição do submisso que não aceita se submeter, é não ser dominado.

Portanto, não tem interesse em ser realmente dominado? Vá embora e não olhe para trás.

Bom... pra mim é isso.
Frisando: para mim é isso.


Meus respeitos.
Lilica de Mestre Gregório.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Devo chamar Top de Senhor ou Senhora? A hieraquia das posições.

Há assuntos muito recorrentes e polêmicos nos grupos de BDSM. Um deles é sobre a forma pela qual os bottoms devem tratar aos Tops. Afinal, bottoms devem tratar os Tops por Senhor ou Senhora?

Quando eu comecei a estudar BDSM, o primeiro conceito ao qual fui apresentada foi o de hierarquia e verticalidade.  

Esta é:


Dominadores (genericamente falando) estão no topo e submissos (também genericamente falando) estão na base da cadeia hierárquica. 
Eu aprendi a coisa de maneira bem simples: quem está na parte de baixo deve respeitar quem está na parte de cima. 

Uma submissa me falou esses dias que só trata um Top por Senhor ou Senhora quando ele ganha o respeito dela, afinal, como iria tratar com deferência alguém que ela nem sabe quem é e se merece tal distinção?

Eu, lilica, tenho justamente o pensamento inverso: quando sou apresentada a uma pessoa e recebo a informação de que se trata de um(a) Top, ela será tratada como tal, com o respeito inerente à posição. 

Eu chamo um Top de Senhor ou Senhora porque, dentro da comunidade em que vivemos há uma hierarquia. Eu até posso não gostar da pessoa X mas, se ela se comportar com respeito, será tratada com respeito.  Não quer dizer que quero servi-la, e sim que respeito a posição dela (Top) dentro da hierarquia da comunidade que estou.

Se ela passar a apresentar um comportamento inadequado à posição, eu simplesmente me afasto, afinal, quem não está agindo de acordo com a posição hierárquica é ela, não eu.
Porque eu me nivelaria por baixo? 
A minha postura é a minha postura... a do outro, bom, ele que lute... rs. 
A minha submissão é seletiva... a minha educação não é.

Gosto de fazer a analogia com os tribunais de justiça pela sua formalidade. 
No topo temos os Juízes e todos devem ser tratados com a mesma deferência, no entanto, ordens mesmo, recebo e cumpro apenas as do juiz a qual estou subordinada. 
Obviamente, juízes são pessoas e estas podem ser educadas ou mal educadas. Eu nunca vou bater de frente com um juiz por ele ser grosseiro, pois a hierarquia não me permite isso. 

Da mesma maneira no BDSM, existem Dominadores educados e mal educados e a hierarquia me obriga a atuar da mesma forma.

Quer falar com um juiz de igual para igual? Vira juiz.
Quer falar com um Top de igual para igual? Vira Top.

Mas uma coisa boa que se tem no BDSM (diferente dos Tribunais) é que você pode simplesmente ignorar o Top grosseiro e fingir que ele não existe ao invés de bater boca com ele. Não precisa aceitar desaforo ou carteirada se você não fala com a pessoa.  

Então, finalmente concluindo, a hierarquia se respeita de baixo pra cima, observando a verticalidade das posições. 

Respeito ao outro, no entanto, (ao que chamamos de educação) deve existir de Top pra bottom, de bottom pra Top e de Top pra Top. 
Educação vem de berço.

Bom... meu pensamento é esse.

Meus respeitos.
Lilica de Mestre Gregório.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Afinal, o Sadomasoquismo foi ou não excluído da CID?

Bom... vamos lá.

É longo, mas espero que todos possam ler pois é importante.

A 10ª edição do Cadastro Internacional de Doenças (CID 10), aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), foi lançado em maio de 1990, estando em vigor até hoje, e inclui lá no item F65 os chamados Transtornos de Preferência Sexual, também conhecidos como Parafilias, conforme segue:

F65.0 FETICHISMO
Utilização de objetos inanimados como estímulo da excitação e da satisfação sexual. Numerosos fetiches são prolongamentos do corpo, como por exemplo as vestimentas e os calçados. Outros exemplos comuns dizem respeito a uma textura particular como a borracha, o plástico ou o couro. Os objetos fetiches variam na sua importância de um indivíduo para o outro. Em certos casos servem simplesmente para reforçar a excitação sexual, atingida por condições normais (exemplo: pedir a seu parceiro que vista uma dada roupa).

F65.1 TRAVESTISMO FETICHISTA
Vestir roupas do sexo oposto, principalmente com o objetivo de obter excitação sexual e de criar a aparência de pessoa do sexo oposto. O travestismo fetichista se distingue do travestismo transexual pela sua associação clara com uma excitação sexual e pela necessidade de se remover as roupas uma vez que o orgasmo ocorra e haja declínio da excitação sexual. Pode ocorrer como fase preliminar no desenvolvimento do transexualismo.

F65.2 EXIBICIONISMO
Tendência recorrente ou persistente de expor seus órgãos genitais a estranhos (em geral do sexo oposto) ou a pessoas em locais públicos, sem desejar ou solicitar contato mais estreito. Há em geral, mas não constantemente, excitação sexual no momento da exibição e o ato é, em geral, seguido de masturbação.

F65.3 VOYEURISMO
Tendência recorrente ou persistente de observar pessoas em atividades sexuais ou íntimas como o tirar a roupa. Isto é realizado sem que a pessoa observada se aperceba de o sê-lo, e conduz geralmente à excitação sexual e masturbação.

F65.4 PEDOFILIA
Preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade.

F65.5 SADOMASOQUISMO
Preferência por um atividade sexual que implica dor, humilhação ou subserviência. Se o sujeito prefere ser o objeto de um tal estímulo fala-se de masoquismo; se prefere ser o executante, trata-se de sadismo. Comumente o indivíduo obtém a excitação sexual por comportamento tanto sádicos quanto masoquistas.

F65.6 TRANSTORNOS MÚLTIPLOS DA PREFERÊNCIA SEXUAL
Por vezes uma pessoa apresenta mais de uma anomalia da preferência sexual sem que nenhuma delas esteja em primeiro plano. A associação mais freqüente agrupa o fetichismo, o travestismo e o sadomasoquismo.

F65.8 OUTROS TRANSTORNOS DA PREFERÊNCIA SEXUAL
Diversas outras modalidades da preferência e do comportamento sexual tais como o fato de dizer obscenidade por telefone, esfregar-se contra outro em locais públicos com aglomeração, a atividade sexual com um animal, o emprego de estrangulamento ou anóxia para aumentar a excitação sexual.

F65.9 TRANSTORNO DA PREFERÊNCIA SEXUAL, NÃO ESPECIFICADO
Desvio sexual SOE


Ou seja, tudo o que que chamamos de "Fetiche" está englobado no grupo de Parafilias. É sobre este CID que hoje trabalham Psicólogos, Psiquiatras e outros agentes de saúde, então sim, de forma técnica , todos nós somos "doentes". Muitas discussões foram travadas, muitos desses fetiches já nem são tratados como doença, no entanto, estando ainda em vigor, a patologia se encontra lá descrita.

Em janeiro de 2022 entrará em vigor a 11ª Edição da CID, que trouxe importantes mudanças na classificação dos transtornos sexuais.

Os transtornos de preferência sexual passarão a ser chamados de Transtornos Parafílicos, “os quais envolvem interesses sexuais atípicos sem consentimento da outra parte e/ou que haja ameaça ou intimidação”.
A nova classificação deve excluir ainda as categorias “fetichismo” e “travestismo fetichista” e manter apenas a pedofilia e o sadismo, que configuram importância de saúde pública.
O item sadismo provavelmente será acrescido da palavra coercivo para diferenciar da prática de forma consensual. Espera-se que as propostas sugeridas melhorem a conceituação destas condições de saúde, promovam a melhoria do acesso aos serviços de saúde, a formulação de leis mais adequadas, políticas e padrões de atendimento e reduzam a discriminação”, disse Jair Mari.

Então:
1º - O Sadomasoquismo não foi excluído do CID como estão espalhando por aí. a prática coerciva ainda é considerada como patologia. !Parem de propagar essa informação!


2º - O Sadomasoquismo ainda estará lá lindo e pleno, na sessão 6D:
Distúrbios parafílicos 
6D30 Desordem exibicionista 
6D31 Transtorno voyeurístico
6D32 Transtorno pedofílico
6D33 Transtorno do sadismo sexual coercivo
6D34 Transtorno frotteurista
6D35 Outro transtorno parafílico que envolve indivíduos sem consentimento 
6D36 Transtorno parafílico que envolve comportamento solitário ou consentimento de indivíduos 
6D3Z Transtornos parafílicos não especificados 


3º -  O que mudou é a inclusão da "Consensualidade", base de todas as bases do BDSM que, quando assim aplicada, trata o sadomasoquismo como uma prática erótica.


É isso.

Meus respeitos.
Lilica de Mestre Gregório.


Fontes:

terça-feira, 25 de junho de 2019

SSC, RACK, PRICK, CCC: sopa de letrinhas do BDSM – Parte 2



Eu demorei para entender as bases do BDSM. Demorei porque são muitas letras, muitos conceitos e, na maioria das vezes, eles não estão muito claros. Tem muita definição mas pouca explicação. E, o que percebi é que, quando se trata de conceitos da liturgia BDSM, tem muito Crtl+C/Crtl+V e pouco conteúdo verificado.


Sem exceção, todos os que começam a estudar sobre BDSM se deparam com a sigla SSC e são informados de sua vital importância para uma boa prática. Parece que é automático: se você se diz um Top ou um bottom sério, logo você usa o SSC.

Mas então, ao se aprofundar nos estudos ou debates, você descobre que algumas pessoas não concordam com o SSC. Dizem que ele não é completo e debates inflamados ocorrem nos grupos e mesas de encontros. Você houve pela primeira vez a sigla RACK; alguém mais inflamado fala sobre PRICK... mas que raios é tudo isso? O SSC não é a base de tudo?

Primeiro, vamos entender o que é SSC.
SSC é uma tríade que coloca a Sanidade, a Segurança e a Consensualidade como bases para as práticas BDSM. Tendo sido criada pelo escravo David Stein, de New Jersey, e utilizada pela primeira vez pela GMSMA (Gay Male SM Activist), em 1983, sendo porém extremamente difundida durante a Marcha do Couro de 1987.

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Nas palavras do próprio Stein:O que queríamos dizer com “S / M seguro e saudável” em 1983 (e o que eu acredito que ainda significa para a GMSMA e a maioria das outras organizações hoje) é algo como “Divirta-se, mas mantenha a cabeça e entenda o que você está fazendo, para que você não acabe morto ou no hospital - ou mande alguém para lá.” tradução livre *



Se quiserem saber mais sobre a história por trás da origem do SSC clica no link no final do artigo (em inglês).

Mas porque falam tanto de SSC? Porque é o princípio do fundamento do BDSM.
Quando você inicia os seus aprendizados em matemática, não começa pela fórmula de Báskara... você aprende a somar 2+2..

A maioria dos praticantes experientes são RACK, não SSC. Não porque eles não pratiquem nos moldes do SSC, mas porque eles transcendem ao SSC.

Só que eu não vou chegar num bottom iniciante e falar... ah.. eu não uso SSC... eu uso RACK.
Primeiro porque ele não fará a mínima ideia do que estou falando.
Segundo porque ele, sendo iniciante, precisa saber que eu sou uma pessoa plenamente consciente dos meus atos e desejos (sanidade), tomo todas as medidas de segurança para que nada dê errado durante as práticas que eu realizar ou me submeter (segurança) e que eu e meu parceiro estamos fazendo tudo aquilo de livre e espontânea vontade (consensualidade)... SSC... ou seja, 2+2.

Porém, quando você começa a amadurecer no BDSM, descobre que, mesmo tomando todas as medidas de segurança, algo pode dar errado... no entanto, mesmo sabendo que algo possa dar errado, você assume os riscos daquela práticas.
Por exemplo, uma prática edge: num bloodplay, eu sei que o meu parceiro vai entrar em contato o meu sangue; numa escarificação, eu posso ter problemas na cicatrização, algo pode infeccionar; num fireplay, algo pode dar errado com o fogo.

Então você percebe que, mesmo o quesito segurança estando todo cumprido, algo pode dar errado e o SSC é incompleto... No momento em que você tem conhecimento, "assume os riscos" e suas consequências, a sua dinâmica passa a se encaixar na RACK... não mais no SSC.

RACK é a sigla de Risk-Aware Consensual Kink que significa que os parceiros estão Cientes do Risco da prática e que estão fazendo consensualmente. O conceito por trás do RACK é a conscientização e o estudo. Os praticantes devem se esforçar para aprender tudo o que há sobre aquela prática antes de se envolver nela.

Mas, Lilica, e aí?.. eu aprendi que o SSC é o fundamento de tudo... se não tiver SSC é abuso. Calma que isso é só o começo. 

Então todo mundo só fala do Dominador. Que o Dominador é responsável por tudo... que ele tem que tomar todas as medidas para cumprir com o SSC ou RACK e se, Ele não o fizer, Ele é um abusador, é despreparado. Você, submissa, na negociação, percebe que o cara é gente boa, vai lá e se entrega totalmente porque, se algo der errado, a culpa é do Top que não tomou conta de tudo, afinal, a responsabilidade do Top é “cuidar da submissa”.

Aí surge uma voz na multidão que fala: “Olha, dona Submissa. Você não aceitou fazer tal coisa? Não foi consensual? Você estudou pra conhecer a prática antes de fazer? Ou achou que o Top ia fazer tudo? Você também é co-responsável nesta brincadeira. A responsabilidade é PESSOAL. O Top é responsável e você também é responsável”.

Neste momento, estamos falando de PRICK – Personal Responsibility in Informed Consensual Kink, que significa que você está munida de todas as informações e assume a responsabilidade pessoal pelo que pode acontecer durante uma prática, consentindo nela.

A responsabilidade do bottom é muito maior do que apenas comunicar o Top se algo está errado durante a sessão. Ela tem que conhecer tanto quanto Ele; é um estágio a mais. O bottom tem que conhecer para saber se o Top também conhece. Um bottom que tem conhecimento não é enganado e não se entrega a qualquer um, porque está munido de informações para saber se aquele Top sabe realmente o que está fazendo ou é apenas mais um aventureiro. Sempre digo que conhecimento é a principal arma de um bottom.

Esta é uma das bases mais criticadas pelos membros da comunidade pois entende-se que é muito difícil alguém estar plenamente informado de tudo.

Importante perceber que o PRICK surge como uma evolução do RACK que, por sua vez, é uma evolução do SSC. Percebe o como a coisa começa a criar forma e que o SSC não abrange mais tudo?

Pode acontecer por sua vez que, superada todas as outras bases anteriores, o submisso entra num nível de entrega pelo qual entende que, como peça, não deseja ter mais direitos e quer fazer ao Top uma cessão total de poder. É uma decisão que deve ser tomada muito conscientemente pois o Top terá total e irrestrito poder sobre ele,... nesse nível a única coisa que se negocia são limites físicos rígidos. Não tem mais safeword, prevalecendo o bom senso do Dono.

Neste momento estamos falando de CCC – Commited, Compassionate, Consensual que é a troca máxima de poder entre um bottom e um Top e abrange, essencialmente, as relações TPE 24/7 de longo prazo. Desnecessário dizer que os riscos envolvidos numa relação desse nível são muito altos, sendo importante que a negociação seja bem feita para a manutenção dos limites da consensualidade, que é base das bases do SM.

Pois bem... ninguém entra numa relação direto no RACK, ou direto no PRICK.... nem muito menos no CCC... toda relação sempre começa no SSC. Por isso se fala mais em SSC do que nas outras bases.
Da mesma forma, raríssimas relações começam TPE, poucas PPE, a maioria começam apenas como EPE, e, com a evolução da relação, a concessão de poder vai aumentando.

Existem outras bases menos conhecidas e, algumas delas, eu sinceramente só vi em textos nacionais, como o SSS e o RIISCK, portanto não vou me prolongar nelas.

CNC não é base BDSM pois exclui do tripé aquilo que nos diferencia dos sadomasoquistas patológicos: a consensualidade. Na verdade, pra mim CNC é uma interpretação equivocada do CCC. No CCC você não deixa de consentir. O que acontece é que você consente em entregar poder total e absoluto, pois confia integralmente no bom senso do Top. Se o Top quebrar esta confiança o bottom tem todo o direito de sair da relação.

Parafilia é a erotização alternativa ou estilo de vida eroticamente diferente.
Transtornos Parafílicos é doença.
O que diferencia os dois?
1 - Consensualidade; que implica que a parceria deve ser, humana, viva, e mentalmente capaz de oferecer consentimento para a prática.
2- A prática não deve causar sofrimento clinicamente significativo. Isso é não deve causar sofrimento psicológico não buscado nem oriundo de medo de julgamento social.
Ou seja, para que uma parafilia seja considerado um transtorno, o que está sendo feito deve ferir um dos dois critérios.
A quebra da Consensualidade transforma o sadismo erótico num sadismo patológico, fugindo totalmente do BDSM e se tornando algo clínico.


Bom... o texto ficou longo mas ilustra um pouco da minha compreensão sobre as bases mais discutidas no BDSM.
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Não importando a base que você use nas suas relações (sejam D/s, sejam avulsas), em todas elas tem um C envolvido. Este C é o da Consensualidade.

Consentimento é a “base de todas as bases”.

Meus respeitos.
Lilica de Mestre Gregório



Bônus: em 2014, um estudo do Departamento de Sociologia da Universidade de Idaho/USA, apresentava uma nova base - os 4Cs – Communication, Caring, Caution, Consent.
Vale uma olhada:


Fontes:

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Conversar x Negociar

Dia desses estava conversando com um amigo Dominador sobre Negociações. Ele comentou comigo que, quando iniciou, não existia Conversação. As partes negociavam direto.

Propus, então, um debate usando, como exemplo, o diálogo hipotético abaixo.

- Dominador: bom dia, tudo bem? te vi no grupo tal e gosto das suas ideias. Vi que gosta de shibari. Sou shibarista. 
- Submissa: Olá senhor. Nossa. Eu amo shibari. Vejo o Senhor falando bastante sobre o assunto... fui amarrada várias vezes e estou estudando pois desejo me tornar uma dorei.
... trocam algumas fotos... falam mais sobre gostos, pessoas, referências...
- D:Eu sou de lugar Z e vc?
- S: Ah moro em Y.
- D: Legal, perto... podemos nos conhecer, falar um pouco sobre shibari. Tenho vários materiais.
- S: Ah.. claro Senhor... vamos conversando.
- D: vou trabalhar agora, depois nos falamos. Até mais.
- S: Até Senhor. Bom dia.

Isso é uma negociação? Não, isso é uma conversa.
Prossigamos...

O casal acima já está a algumas semanas papeando... nessas conversas já começaram a falar sobre interesses pessoais, detalhes da vida bau, para saber mais sobre o outro. Mas ainda não se conheceram.

Eles estão negociando? Não, ainda estão apenas conversando.

Dominador e submissa já perceberam que têm os mesmos interesses e gostam de conversar com uma frequência quase diária: várias vezes ao dia. O teor da conversa mudou um pouco... é mais aprofundado.
O Dominador percebe uma abertura na submissa.
Ela está bastante interessada naquele shibarista que pode lhe ensinar muito e gosta da maneira como ele a trata. Ela começa a respeitá-lo mais do que aos outros Dominadores com quem conversa. Tem vontade de passar mais tempo falando com ele do que com os outros.
Ambos já sabem um pouco mais sobre os desejos do outro e desejam se conhecer pessoalmente. Ou um encontro com amigos num bar lugar aberto ou num café apenas os dois. E a conversa migra pra este caminho.

E agora? Agora, sim, este Dominador e esta submissa abriram as portas para uma negociação.
É essa linha tênue que as pessoas não enxergam. Confunde-se conversar com negociar.
Conversar é conhecer.

Seres humanos, ao se conhecerem, estreitam conhecimento através do diálogo. Seja virtualmente, seja pessoalmente. Tudo começa da conversa; parte-se do cumprimento, fala-se sobre amenidades, até se descobrir algo em comum que faça com que se mantenha o interesse na conversa.
Conversação é a porta de entrada para se conhecer alguém.

Negociar no BDSM, falando do ponto de vista do bottom, significa se sentar com o Top e acordar o que pode ou não ser feito com o seu corpo ou o seu psicológico; do ponto de vista do Top, significa conhecer os limites aos quais ele não pode ultrapassar (ou deve ultrapassar com parcimônia).
Negociação você faz com quem você já conhece.

Conversar sobre práticas não significa que se está negociando sobre estas práticas.

Quando eu falo para Dominador Y que gosto de ser amarrada, não significa que estou falando pra este Dominador que quero ser amarrada por ele.

Comentei certa vez, em outro texto, sobre negociação miojo.
Comecei a conversar com um Dominador e logo percebi que nossos interesses não batiam e me despedi. Quando o Dominador falou: espero podermos dar continuidade nessa negociação.
Respondi: a gente só está conversando... não tem nenhuma negociação rolando aqui.
Está bem... reconheço que fui chata e, porque não dizer, grossa; afinal, ninguém é obrigado a se engessar em fases ou saber diferenciar o nome de cada uma.

Mas eu espero que a pessoa tenha um “feeling” para diferenciar uma simples conversa de uma negociação. Não se pode atropelar passos em relações. Não podemos fazer isso no baunilha, imagina no BDSM.

Conhecimento é a principal arma do submisso.

Meus respeitos.
lilica de Mestre Gregório

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Safeword: tábua de salvação

Publicado originalmente em 10/03/2019 no grupo BDSM Confidence (Facebook)

“Um masoquista está sendo submetido a uma sessão de spanking. Começa leve e vai aumentando a intensidade, troca-se de instrumentos várias vezes. Uma, duas, três horas... o braço do Dominador já está pesado e Ele sente dores no ombro a cada movimento; mas o masoquista não arrega. Depois de quatro horas um amigo daquele Dominador fala “faz tal coisa de tal jeito que vai funcionar”. O Dominador segue o conselho e na terceira pancada o masoquista pede a safe. E aquela cena se transformou numa queda de braço (quase literal kkkk) entre o Dominador e o masoquista.”

Com certeza quem frequenta a comunidade BDSM já presenciou esta cena algumas vezes, com diversas variações. É uma dinâmica que pode funcionar para algumas pessoas e eu respeito isso. Mas, certamente, não funciona pra mim.

Eu nunca parei uma cena; nunca pedi safeword. Por que sou a super masoca que aguenta tudo? Por que não quero ferir o orgulho do Dominador e suporto mais do que posso aguentar? Não... simplesmente porque nunca precisei. Porque todo Dominador a quem servi sabia quando devia parar uma cena.

A safeword não é para ser usada para parar uma cena quando o submisso chega ao seu limite. Principalmente porque nem sempre isso acontece. Um submisso em subspace, por exemplo, deixa de responder a estímulos e não sente mais dor. Ele não pedirá a safeword nunca.

Uma sessão ou cena demanda comunicação constante: oral ou gestual. A safeword não deveria ser a tábua de salvação para a paralisação de uma cena. Ela é a ferramenta para o submisso informar ao Dominador quando algo está errado, uma emergência, qualquer coisa fora do alcance do campo de observação daquele Dominador.

Gosto muito do conceito de safeword parciais, por exemplo amarelo, tem uma coisinha errada aqui mas dá pra corrigir; vermelho, tem uma coisa muito errada aqui, melhor parar e partir pra outra coisa.

Nas minhas relações – e, nestes casos, gosto de frisar bem que é uma opinião pessoal – se um Dominador apenas parar uma cena após eu já estiver desfalecendo, certamente vai ser a última vez que ele encostará a mão em mim. Um Dominador sabe que é necessário breves períodos de pausa, na qual ele pára uma prática e inicia outra, podendo voltar a anterior ou não, como ele quiser. Ele está sempre atento à forma como o submisso responde aos seus estímulos.

Eu acho que existe uma falta de compreensão muito grande quanto ao uso da safeword.
Tem Dominadores que, quando o bottom fala a safe, simplesmente encerra a sessão - se vista e vamos embora! – quando, na verdade, o bottom só estava comunicando que algo estava errado naquela prática específica.

Tem bottom que acha que a safeword é o objeto de poder máximo, o cetro que a torna soberana na relação - eu paro quando eu quero. Cuidado, garota... com grandes poderes vem grandes responsabilidades... rs.

Mestre Gregório me disse uma vez que não adianta você ter a safeword e não poder usar. Às vezes, é melhor você não ter a safe e o Dominador parar a cena no momento certo, do que você ter uma safe e o Dominador não parar a cena quando você usá-la, sob o pretexto de que apenas ele sabe quando deve parar.

Eu ousaria complementar dizendo que sempre se deve ter uma safeword, mas que não seja necessário utilizá-la, pois o bottom pode confiar que o Dominador a quem entrega o seu corpo vai zelar por ele.

Meus respeitos.
lilica de Mestre Gregório.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

BDSM x Mundo baunilha: Os mesmos preconceitos


Esta semana participei de um debate onde se perguntava como se identificar um Top ou bottom galinha, se uma submissa sem Dono podia ficar vagando pelos pvs dos Tops e como os Tops viam a ação das “submetralhadoras”.

A questão, embora carregada de estereótipos baunilhas, certamente não é impertinente ou absurda, ainda mais originada de uma iniciante que está tentando se descobrir e entender o nosso mundinho escuro.

Mas as respostas, vindas de praticantes reais e experientes, estas sim me incomodaram bastante. E me fizeram ver o quanto é importante alertar os iniciantes de que há sim muito preconceito na comunidade.

Existem muitas pessoas perdidas por aqui em busca de algo que não é BDSM. E estas pessoas, não sendo BDSMers, logo são desmascaradas; não são bottoms e não são Tops. Não entendem de liturgia e desconhecem as práticas. Não estudam e só querem passar o tempo, se distrair e se divertir (na maioria das vezes virtualmente). Quer se divertir com elas? Ótimo. Não quer, bloqueia e ignora. É chato? Sim... mas não impossível de se fazer.

Porém, em nossa comunidade, o que mais temos são submissas experientes que não entenderam que seus Donos não pertencem a elas e sim elas que pertencem a Eles. E estas submissas são as maiores propagadoras de ofensas e fofocas a respeito das meninas que procuram seus amados Donos nos pvs. Subpiriguete, subpiranha, submetralhadora... e vários outros nomes pejorativos para denegrir a imagem de uma garota que simplesmente, sendo livre, tem a liberdade de conversar com o Dominador que quiser.

E são também os Dominadores experientes que falam mal das meninas que conversam ou, até mesmo, fazem sessões avulsas com vários Dominadores. Dizem a elas o quanto podem ficar mal faladas, com baixa reputação e que nenhum Dominador sério irá querê-las. Eu, pessoalmente, já ouvi isso mais de uma vez e sei o quanto fere e quase me fez desistir. Tenho conhecidas na comunidade que passaram pela mesma situação.

Quando conheci o Mestre Gregório, eu falei pra Ele que fazia avulsas porque nenhum Dominador queria ter D/s com uma submissa como eu. Mestre perguntou o que poderia haver de tão ruim em mim para ser rechaçada. Para vocês verem o quanto conseguiram incutir em mim que eu não poderia arranjar alguém por ser considerada uma puta. Mestre Gregório teve que fazer um trabalho de desconstrução e reconstrução para que eu pudesse melhorar a minha autoestima. E isto não foi no meu início; estou falando de algo que ocorreu a menos de dois anos. E se aconteceu comigo, já experiente e esclarecida, imagina o que não ocorre na cabeça de uma iniciante?

Não vamos fazer isso com as nossas iniciantes!

Hoje amadurecida, segura e consciente do que quero e gosto, entendi que existem três coisas que prezo muito no BDSM: Liberdade, Lealdade e Respeito.

A primeira diz a razão pela qual eu estou no BDSM, sendo esta a liberdade que eu tenho aqui de vivenciar coisas que eu não posso viver no mundo baunilha por conta do julgamento social. Ou seja, se for para ser taxada de puta, galinha, ou qualquer outro nome pejorativo que se dê ao comportamento libertino de uma mulher, eu não preciso estar no BDSM.

A segunda defino como sendo a minha atitude para com a pessoa com a qual eu me relaciono e para com os meus princípios. Uma submissa, tendo uma relação fixa com alguém (com coleira ou não), não vai ficar flertando com outros Dominadores. Do mesmo modo, um Dominador não vai ficar tentando seduzir a posse alheia, porque não vai estar sendo leal para com o outro Dominador, nem leal para com os protocolos BDSM.

Por fim, eu falo do respeito. Por que uma submissa livre pode conversar com quantos Dominadores ela quiser sem ser julgada, desde que não chegue tentando desestruturar uma relação em andamento, com intuito de causar discórdia, dividir ou tomar o lugar de quem já está (sim, acontece). Da mesma maneira, um Dominador pode conversar com quantas submissas ele quiser, (porque, sim, ele pode ter quantas submissas ele quiser), desde que mantenha a postura esperada de um Dominador.

Portanto temos o dever de rever os nossos pensamentos e expurgar da comunidade BDSM essa hipocrisia que se instaura de menosprezar a sexualidade da mulher que já é tão reprimida no mundo baunilha. Usar termos pejorativos como galinha, piranha, piriguete, metralhadora, só mostra o quanto trazemos ainda de preconceitos baunilhas ao BDSM, e eu sinto muitíssimo por isso.

Meus respeitos.
lilica de Mestre Gregório

Dez anos e o blog voltou!!!

  Em 2008, quando eu ainda servia ao Senhor FA e me chamava Emanuelle, criei o blog Diário de Emanuelle com a intenção de traduzir em pal...