Eu demorei para entender as bases do BDSM. Demorei porque são muitas letras, muitos conceitos e, na maioria das vezes, eles não estão muito claros. Tem muita definição mas pouca explicação. E, o que percebi é que, quando se trata de conceitos da liturgia BDSM, tem muito Crtl+C/Crtl+V e pouco conteúdo verificado.
Sem exceção, todos os
que começam a estudar sobre BDSM se deparam com a sigla SSC e são
informados de sua vital importância para uma boa prática. Parece
que é automático: se você se diz um Top ou um bottom sério, logo
você usa o SSC.
Mas então, ao se
aprofundar nos estudos ou debates, você descobre que algumas pessoas
não concordam com o SSC. Dizem que ele não é completo e debates
inflamados ocorrem nos grupos e mesas de encontros. Você houve pela
primeira vez a sigla RACK; alguém mais inflamado fala sobre PRICK...
mas que raios é tudo isso? O SSC não é a base de tudo?
Primeiro, vamos
entender o que é SSC.
SSC é uma tríade que
coloca a Sanidade, a Segurança e a Consensualidade como bases para
as práticas BDSM. Tendo sido criada pelo escravo David Stein, de New
Jersey, e utilizada pela primeira vez pela GMSMA (Gay Male SM
Activist), em 1983, sendo porém extremamente difundida durante a Marcha
do Couro de 1987.
Nas palavras do próprio
Stein: “O que queríamos dizer com “S / M seguro e saudável” em 1983 (e o que eu acredito que ainda significa para a GMSMA e a maioria das outras organizações hoje) é algo como “Divirta-se, mas mantenha a cabeça e entenda o que você está fazendo, para que você não acabe morto ou no hospital - ou mande alguém para lá.” tradução livre *
Se quiserem saber mais
sobre a história por trás da origem do SSC clica no link no final
do artigo (em inglês).
Mas porque falam tanto
de SSC? Porque é o princípio do fundamento do BDSM.
Quando você inicia os
seus aprendizados em matemática, não começa pela fórmula de
Báskara... você aprende a somar 2+2..
A maioria dos
praticantes experientes são RACK, não SSC. Não porque eles não
pratiquem nos moldes do SSC, mas porque eles transcendem ao SSC.
Só que eu não vou
chegar num bottom iniciante e falar... ah.. eu não uso SSC... eu uso
RACK.
Primeiro porque ele não
fará a mínima ideia do que estou falando.
Segundo porque ele,
sendo iniciante, precisa saber que eu sou uma pessoa plenamente
consciente dos meus atos e desejos (sanidade), tomo todas as medidas
de segurança para que nada dê errado durante as práticas que eu
realizar ou me submeter (segurança) e que eu e meu parceiro estamos fazendo tudo aquilo
de livre e espontânea vontade (consensualidade)... SSC... ou seja,
2+2.
Porém, quando você
começa a amadurecer no BDSM, descobre que, mesmo tomando todas as
medidas de segurança, algo pode dar errado... no entanto, mesmo
sabendo que algo possa dar errado, você assume os riscos daquela
práticas.
Por exemplo, uma prática edge: num bloodplay, eu sei
que o meu parceiro vai entrar em contato o meu sangue; numa
escarificação, eu posso ter problemas na cicatrização, algo pode
infeccionar; num fireplay, algo pode dar errado com o fogo.
Então você percebe
que, mesmo o quesito segurança estando todo cumprido, algo pode dar
errado e o SSC é incompleto... No momento em que você tem
conhecimento, "assume os riscos" e suas consequências, a
sua dinâmica passa a se encaixar na RACK... não mais no SSC.
RACK é a sigla de
Risk-Aware Consensual Kink que significa que os parceiros estão
Cientes do Risco da prática e que estão fazendo consensualmente. O
conceito por trás do RACK é a conscientização e o estudo. Os
praticantes devem se esforçar para aprender tudo o que há sobre
aquela prática antes de se envolver nela.
Mas, Lilica, e aí?..
eu aprendi que o SSC é o fundamento de tudo... se não tiver SSC é
abuso. Calma que isso é só o começo.
Então todo mundo só
fala do Dominador. Que o Dominador é responsável por tudo... que
ele tem que tomar todas as medidas para cumprir com o SSC ou RACK e
se, Ele não o fizer, Ele é um abusador, é despreparado. Você,
submissa, na negociação, percebe que o cara é gente boa, vai lá e
se entrega totalmente porque, se algo der errado, a culpa é do Top
que não tomou conta de tudo, afinal, a responsabilidade do Top é
“cuidar da submissa”.
Aí surge uma voz na
multidão que fala: “Olha, dona Submissa. Você não aceitou fazer
tal coisa? Não foi consensual? Você estudou pra conhecer a prática
antes de fazer? Ou achou que o Top ia fazer tudo? Você também é
co-responsável nesta brincadeira. A responsabilidade é PESSOAL. O
Top é responsável e você também é responsável”.
Neste momento, estamos
falando de PRICK – Personal Responsibility in Informed Consensual
Kink, que significa que você está munida de todas as informações
e assume a responsabilidade pessoal pelo que pode acontecer durante
uma prática, consentindo nela.
A responsabilidade do
bottom é muito maior do que apenas comunicar o Top se algo está
errado durante a sessão. Ela tem que conhecer tanto quanto Ele; é
um estágio a mais. O bottom tem que conhecer para saber se o Top
também conhece. Um bottom que tem conhecimento não é enganado e
não se entrega a qualquer um, porque está munido de informações
para saber se aquele Top sabe realmente o que está fazendo ou é
apenas mais um aventureiro. Sempre digo que conhecimento é a
principal arma de um bottom.
Esta é uma das bases
mais criticadas pelos membros da comunidade pois entende-se que é
muito difícil alguém estar plenamente informado de tudo.
Importante perceber que
o PRICK surge como uma evolução do RACK que, por sua vez, é uma
evolução do SSC. Percebe o como a coisa começa a criar forma e que
o SSC não abrange mais tudo?
Pode acontecer por sua
vez que, superada todas as outras bases anteriores, o submisso entra
num nível de entrega pelo qual entende que, como peça, não deseja
ter mais direitos e quer fazer ao Top uma cessão total de poder. É
uma decisão que deve ser tomada muito conscientemente pois o Top
terá total e irrestrito poder sobre ele,... nesse nível a única
coisa que se negocia são limites físicos rígidos. Não tem mais
safeword, prevalecendo o bom senso do Dono.
Neste momento estamos
falando de CCC – Commited, Compassionate, Consensual que é a troca
máxima de poder entre um bottom e um Top e abrange, essencialmente,
as relações TPE 24/7 de longo prazo. Desnecessário dizer que os
riscos envolvidos numa relação desse nível são muito altos, sendo
importante que a negociação seja bem feita para a manutenção dos
limites da consensualidade, que é base das bases do SM.
Pois bem... ninguém
entra numa relação direto no RACK, ou direto no PRICK.... nem muito
menos no CCC... toda relação sempre começa no SSC. Por isso se
fala mais em SSC do que nas outras bases.
Da mesma forma, raríssimas relações começam TPE, poucas PPE, a maioria começam apenas como EPE, e, com a evolução da relação, a concessão de poder vai aumentando.
Existem outras bases menos conhecidas e, algumas delas, eu sinceramente só vi em textos nacionais, como o SSS e o RIISCK, portanto não vou me prolongar nelas.
Existem outras bases menos conhecidas e, algumas delas, eu sinceramente só vi em textos nacionais, como o SSS e o RIISCK, portanto não vou me prolongar nelas.
CNC não é base BDSM
pois exclui do tripé aquilo que nos diferencia dos sadomasoquistas
patológicos: a consensualidade. Na verdade, pra mim CNC é uma
interpretação equivocada do CCC. No CCC você não deixa de
consentir. O que acontece é que você consente em entregar poder
total e absoluto, pois confia integralmente no bom senso do Top. Se o
Top quebrar esta confiança o bottom tem todo o direito de sair da
relação.
Parafilia é a
erotização alternativa ou estilo de vida eroticamente
diferente.
Transtornos Parafílicos é doença.
O que
diferencia os dois?
1 - Consensualidade;
que implica que a parceria deve ser, humana, viva, e mentalmente
capaz de oferecer consentimento para a prática.
2- A prática não
deve causar sofrimento clinicamente significativo. Isso é não deve
causar sofrimento psicológico não buscado nem oriundo de medo de
julgamento social.
Ou seja, para que uma parafilia seja
considerado um transtorno, o que está sendo feito deve ferir um dos
dois critérios.
A quebra da
Consensualidade transforma o sadismo erótico num sadismo patológico,
fugindo totalmente do BDSM e se tornando algo clínico.
Bom... o texto ficou
longo mas ilustra um pouco da minha compreensão sobre as bases mais
discutidas no BDSM.
Não importando a base
que você use nas suas relações (sejam D/s, sejam avulsas), em
todas elas tem um C envolvido. Este C é o da Consensualidade.
Consentimento é a
“base de todas as bases”.
Meus respeitos.
Lilica de Mestre
Gregório
Bônus: em 2014, um
estudo do Departamento de Sociologia da Universidade de Idaho/USA,
apresentava uma nova base - os 4Cs – Communication, Caring, Caution, Consent.
Vale uma olhada:
Fontes: